A banca de jogo do bicho “A Favorita”, famosa pelo lema “Não demora e paga na hora”, pertencia ao comerciante Abdias Bastos Lé, então presidente do Partido Comunista em Caruaru. Com o golpe militar de 1964, Abdias foi preso e cumpriu pena na Casa de Detenção do Recife.
Diante da prisão do marido e com um filho pequeno para criar — Luiz Carlos Lé — sua esposa, Osete Sales Bastos, assumiu a direção da banca, um ambiente até então dominado por homens. Com pulso firme, enfrentou a concorrência acirrada e a resistência machista em meio ao cenário turbulento da ditadura militar. Osete não se deixou abater e encarou os desafios com coragem e dignidade, conquistando respeito em um universo hostil.
Durante o governo de Nilo Coelho, as bancas de jogo do bicho foram fechadas em Pernambuco. Ainda assim, Osete seguiu firme, visitando o marido na prisão acompanhada do filho, e manteve a família unida em meio à repressão política.
Abdias Lé era amigo do então governador deposto Miguel Arraes de Alencar. Representando o “Partidão”, chegou a presidir a Loteria do Estado de Pernambuco. Figura de destaque na esquerda pernambucana, era conhecido por sua generosidade com os presos políticos e por receber em sua casa personalidades como Gregório Bezerra e Luiz Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”. Leitor voraz, tinha especial apreço por autores ligados ao pensamento socialista e marxista.
Com a anistia e o retorno do exílio de Miguel Arraes em 1979, Abdias fez questão de participar do histórico comício em Santo Amaro, no Recife. Na ocasião da primeira visita de Arraes a Caruaru após o exílio, Abdias organizou uma recepção calorosa, alugando carros de som para anunciar sua presença na cidade. Arraes participou do programa Mesa Redonda da Rádio Cultura, direto da Câmara Municipal.
O casal Abdias e Osete, hoje falecidos, deixou como legado uma história de luta, coragem e dignidade. O único filho do casal, Luiz Carlos Lé, é professor de Educação Física aposentado e segue no ramo lotérico, dando continuidade ao exemplo dos pais.
Osete Bastos é lembrada com respeito e admiração pela sociedade caruaruense como uma mulher honrada e pioneira — a primeira a comandar uma banca de jogo do bicho no Nordeste, em tempos difíceis, quando a bravura era requisito para a sobrevivência.
Por Tavares Neto e Thayze Lima